Artigos

O tempo das coisas não síncronas_Por Gianmarco Bisaglia

Vivemos há décadas um fenômeno da urbanização acelerada, aliado a um modelo econômico de produzir excedentes sem valor agregado, de estimular o consumo insano destes excedentes oferecendo indiscriminadamente crédito sem lastro para sustentar o sistema. Simples assim é o capitalismo. As pessoas vivem em um lugar sem condições de promover qualidade de vida, consomem coisas que não necessitam, com um dinheiro que não existe, para se parecerem com uma coisa que não são. Este modelo no entanto é o que entendemos ser nossa sociedade moderna e nela vivemos. Este mundo pode ser medido em quilates, euros, milhagem e nano segundos. Vivemos em um espaço preenchido de um exagero que não sacia, enquadrados em um tempo precificado que nos é cobrado diariamente. Leia mais

Índios sem ideia de tempo

Os índios da tribo amondawa, de Rondônia, vivem sem usar referências sobre semanas, meses ou anos. Não fazem aniversário, só fazem contas até o número quatro e em seu vocabulário não consta a palavra “tempo”.Uma pesquisa da Universidade de Portsmouth (Inglaterra), em parceria com a Universidade Federal de Rondônia, revela que, diante da ausência de números e da noção abstrata de tempo, esses índios precisam mudar de nome para identificar melhor a fase que estão vivendo.

Por causa disso, várias crianças da tribo são chamadas exatamente da mesma forma. Um menino do clã Mutum, por exemplo, é conhecido por Mbitete ao nascer.

Quando tiver um irmão, passará a usar o nome de Kuembu “”e o próximo recém-nascido será batizado de Mbitete novamente.

Os nomes identificam o sexo, a “idade” e o clã ao qual a pessoa pertence e são herdados dos mais velhos pelos mais novos da tribo. Assim como quando ficam mais velhos, esses índios também trocam de nome quando se casam.

Embora a pesquisa não tenha identificado no idioma ocorrências de intervalos de tempo designados por números (um ano, por exemplo), foram encontradas palavras para expressar períodos de tempo, como as estações chuvosa e seca.

Suas noções de temporalidade também estão sempre ligadas a um evento ou a um ciclo da vida, e não ao tempo propriamente dito, segundo a autora Wany Sampaio, da Federal de Rondônia.

TEMPO E ESPAÇO

Para a corrente dominante hoje em dia na linguística, o léxico do tempo originou-se do vocabulário relacionado ao espaço.

Daí, surgiu o uso de expressões consideradas universais como “um tempo atrás” ou “mais para frente”.

Nesse contexto, os amondawa são uma exceção, segundo os pesquisadores, porque não relacionam os conceitos de tempo e espaço, como costuma ocorrer em outros idiomas.

Entretanto, apesar de não terem uma palavra para designar “tempo” e não poderem dizer frases como “o tempo está passando”, os amondawa têm sua própria noção de temporalidade e compreendem a nossa quando aprendem português, segundo mostra a pesquisa. A maioria fala amondawa e português. Vivem no centro-oeste de Rondônia e seu primeiro contato com não índios aconteceu em 1986. Hoje, a tribo inteira é composta por 117 pessoas.

O trabalho sobre os amondawa foi publicado recentemente na revista britânica “Language and Cognition”.

Fonte: Folha de São Paulo_São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 2011